Mulher dos Palcos

Russilvânia Gallo, uma das pioneiras da cultura e das artes cênicas do município, conta a Revista bem Viver como foi sua trajetória para ajudar a popularizar o teatro do Sul de Minas

Nesta edição voltada para o mês da mulher, procuramos trazer personagens femininas que contribuíram para a formação da cultura do município. Entre tantas mulheres que figuraram esse cenário, o palco é o retrato de uma delas: Russilvânia Gallo.
Com 68 anos, essa esforçada mulher promoveu desde cedo atividades de cunho cultural e social. Ao longo da sua carreira, a “teatróloga” foi premiada em diferentes categorias. De família e hábitos simples, Russilvânia foi uma das pessoas que ajudaram na difusão das peças e movimentos artísticos do município.
Mas, como todo talento não nasce do vazio, de onde veio o interesse pelas artes? Ela explica que desde criança foi motivada a participar de teatro. “Eu comecei a ter um contato maior com as artes graças a minha mãe, que era apaixonada por cinema. Quando podia, ela arrastava a filharada para ver os filmes”. Comenta com um olhar levemente marejado, enquanto olhava a trouxa de renda da mesa. “Eu atuava sem saber o que era isso. Juntávamos eu e meus irmãos menores, e começávamos a improvisar histórias que observávamos na esquina de casa, e cenas que víamos nos filmes“ comenta. Uma das outras paixões que cita é a literatura. Com um quarto repleto de livros amontoados em estantes, ela diz orgulhosa que adorava ler os gibis que a sua mãe colecionava.

O palco paulistano
Aos 14 anos, mudou-se com a família para SP. Nessa idade, Russilvânia teve algumas complicações médicas. “Tive um problema na perna e aos 16 anos os médicos disseram que eu poderia nunca mais andar. No entanto estou aqui, mais de cinqüenta anos depois, firme e forte. As pernas doem um pouco às vezes, mas não tenho o que reclamar”.
Segundo ela, foi em SP que começou a ter um contato mais efetivo com a arte à qual se apaixonou: o teatro. Durante esse período, se matriculou em um curso de cultura feminina e economia doméstica, onde eram ministradas aulas de pintura, artesanato, teoria teatral e música. “Cheguei a passar pela Pinacoteca, mas não pude estudar pois as aulas eram integrais e eu tinha que trabalhar. Mais tarde, comecei a estudar nas Belas Artes, em que era meio período”.

Celebrando a arte
A relação de Russilvânia com a história de Varginha começou por volta de 1976, quando retornou da capital paulista por problemas financeiros. Aqui, teve a oportunidade de encontrar com o padre da época, o qual a deu permissão para realizar peças durante as celebrações.
Na busca por atores, ela recorreu a um grupo de jovens, conhecido na época por EMAUS.  À partir daí nascia o grupo Maranatha, oficializado em 1980. Com a mão no queixo, como se recordasse de algo, ela explicou o significado do nome “Na realidade, eu queria um nome religioso, mas diferente dos que já estavam por aí, como: ‘Vem senhor Jesus’, ‘Caminhando por Cristo’... Para ser sincera achava isso meio estranho (risos). Uma noite encontrei o nome Maranatha em um livro, que significa “Vem senhor Jesus”, em aramaico. Aí não teve outro jeito. Era esse o nome!”.
De presépio humano à paixão de Cristo, inúmeras passagens bíblicas foram encenadas nas paróquias de Varginha. “A coisa deu tão certo, que as pessoas começaram a pedir mais apresentações. Encenávamos na matriz, na paróquia do Rosário, no bairro de Fátima, na zona rural...”.
 Segundo ela, no início, as produções se faziam no improviso. Com o sucesso do grupo, foi possível dar vazão a criatividade que tinham graças à colaboração de voluntários da igreja para comprar novos tecidos e confeccionar novos figurinos para as peças. Ela relembra as noites que ficava com as irmãs customizando os panos arrecadados pela diocese. “Era um trabalho que exigia bastante empenho. Mas a minha paixão pela arte compensava todo o esforço.”
Novos figurinos, novos cenários: alguns anos depois, as peças começaram a ser encenadas no clube do VTC (Varginha Tênis Clube), durando por 18 anos. Este foi o primeiro ano sem a famosa encenação católica. “Eu sinto que não sou eu que estou sendo privada da minha arte, mas a própria Varginha da sua cultura. Eu tento, mas nem sempre é possível resolver as coisas tudo sozinha. O incentivo não depende só de mim”, diz a respeito da recente exoneração da direção das festas de Folia de Reis, às quais eram realizadas juntamente com a Paixão de Cristo.
Retomando a sua história, um pouco antes na década de 80, as apresentações tomaram uma proporção tão grande que começaram a ser realizadas na Avenida Rio Branco. Data nessa época, o início da junção das Folias de Reis com o Presépio Humano, os quais foram posteriormente para o VTC.

Do popular ao social
Mas não é só de religião que Russilvânia fez sua arte. No final dos anos 80 começou a dirigir o teatro popular, cujo auge se deu com a peça “Homens de papel”, que ficou em cartaz por mais de cinco anos. “Assim como os demais trabalhos, as peças tinham sempre um cunho de responsabilidade social. A peça “Homens de papel”, por exemplo, narrava a história de vida dos catadores de papel. Fomos premiados em vários lugares e apresentamos em várias cidades da região. Chegamos a levar a peça até para o Palácio das Artes, dentro da programação da Federação de Teatro de Minas”, diz orgulhosa. Entre outras peças de destaque, ela aponta as adaptações de “Essa Mulher é Minha”, “A tal de esquina”, entre outras.
Com uma bagagem extensa, ela também desenvolvia peças infantis. Uma das que mais se destacaram foi a adaptação que fez com o conto de “Chapeuzinho Vermelho”, vencedora de vários festivais.
As peças passaram a fazer parte da Agenda Estadual de Turismo do Governo do Estado. No seu currículo, aparecem também outros trabalhos, como: as danças de quadrilha que agitaram o município por mais de uma década e o trabalho de contadora de histórias nos hospitais da cidade.  “Trabalhei cinco anos em quatro hospitais, com apoio da UNIMEDE. Largava tudo para me dedicar ao trabalho de contadora de histórias, o que serviu para que eu aprimorasse outra área minha. Acabei também me envolvendo com empresas que me pediram para dar palestras”.

O ateliê voluntário
Para não perder o costume, uma das suas ocupações hoje são a arrecadação e distribuição de donativos para famílias e entidades carentes do Síon e outros bairros. Um trabalho voluntário, que segundo ela, só foi possível com a ajuda de algumas pessoas.
Na sua casa, roupas, sapatos, brinquedos formam uma espécie de ateliê das artes sociais. “Não vejo tempo ruim. Reformo brinquedos quebrados, conserto roupas. Só não estou mexendo nessas calças jeans (diz ela apontando para um cômodo repleto de calças), pois preciso lavá-las. Sempre me senti bem fazendo isso”.
O que mais a deixa orgulhosa é saber que muitas das suas “crias”, hoje são pessoas que se deram bem na vida, seja no lado pessoal, seja no profissional: “Nunca vou dizer que me sinto cansada, ainda mais quando vejo os meus antigos alunos e amigos felizes. Sinto que contribuí com alguma coisa!”.

Um pouco de “voz”
Atualmente, uma das coisas que mais a incomoda é a “inutilização” do teatro Capitólio. “Nós precisamos do Capitólio. Ele é público e um desperdício enorme ele ter ficado parado todo esse tempo!”. Para o futuro, ela traça algumas metas como terminar de construir um centro de artes na sua casa.
Encerrando a entrevista, Russilvânia Gallo faz algumas considerações sobre a cultura atual. “Acredito que as pessoas deveriam reeducar os jovens, ensinando-os a olharem diferentes para o que temos de cultura. É um caminho longo e um trabalho conjunto. Mas um dia as pessoas terão mais percepção do mundo, e que ele é uma arte!”.
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