Luta contra violência doméstica

A lei que protege as mulheres contra a violência recebeu o nome de Maria da Penha em homenagem à farmacêutica cearense, Maria da Penha Maia Fernandes. Um nome conhecido no Brasil e no mundo por representar a luta por uma sociedade mais justa. Por trás desse nome está uma mulher, igual a muitas, com sua história de vida feita de alegrias, frustrações, batalhas e vitórias. Uma brasileira, como outras milhões, que sofreu de agressão física, tendo como algoz quem jurou amar para sempre, o próprio marido. Uma pessoa que teve sua vida transformada depois de perder os movimentos das pernas e se viu presa em uma cadeira de rodas, após ser agredida, mas, hoje, de cabeça erguida, venceu a batalha contra a violência doméstica.
Essa segunda edição da Revista Bem Viver, que é uma publicação direcionada ao público feminino, traz uma entrevista exclusiva com essa brasileira que realmente representa as mulheres de sua nação.
Entramos em contato com Maria da Penha e tivemos uma ótima recepção. Muito prestativa, ela respondeu a todas as nossas perguntas e nos dá a excelente oportunidade de conhecer sua história, que foi marcada por violência, sim, mas hoje é reconhecida, principalmente, por ser o símbolo da vitória. Da vitória sobre a injustiça.
REVISTA BEM VIVER TRAZ ENTREVISTA EXCLUSIVA COM MARIA DA PENHA

B.V. - Conte para os nossos leitores um pouco dos casos de violência que sofreu durante o casamento?
M.P. - Casei e, como toda mulher, pensei que o meu casamento fosse durar para sempre. Sonho esse desfeito quando, após obter a sua naturalização, Marco Antônio (de nacionalidade colombiana), mostrou a sua verdadeira personalidade: arrogante e agressivo até para com as próprias filhas, com idade entre seis e dois anos incompletos. Busquei convencê-lo de que seria melhor nos separarmos, mas ele sempre foi resistente. Em maio de 1983, Marco Antônio simulou um assalto e disse que eu tinha sido atingida, enquanto dormia, por um dos assaltantes. Quando ainda estava no hospital não sabia o que de fato tinha acontecido. Apesar de saber que ele fosse capaz de algo assim, acreditei na versão que ele me contou. Depois que passei quatro meses no hospital, voltei para casa e com a versão dos fatos contada pelas empregadas, vizinhos e a própria polícia, comecei a encaixar as peças e aos poucos fui descobrindo o que de fato tinha ocorrido.  Nesse período, fomos submetidas (eu e minhas filhas) a um regime de cárcere privado e Marco atentou contra a minha vida pela segunda vez. Foi então que, sigilosamente, com ajuda de amigos e familiares, conseguimos finalizar na justiça a documentação para que eu e minhas filhas pudéssemos sair de casa legalmente, evitando, portanto, a caracterização de abandono do lar. Já de posse   do mandato judicial, aproveitando ainda uma de suas viagens a trabalho, eu e minhas filhas fomos para a casa dos meus pais e nos libertamos    daquele  pesadelo.

B.V. - A partir dos seus sofrimentos, quais foram suas atitudes em relação aos casos de agressão?
M.P. - Não cheguei a denunciar meu agressor. Sofri muita violência psicológica e moral. Tentei falar sobre separação várias vezes, mas sempre era rechaçada com agressividade e ameaças. Naquele tempo, não existia ainda visibilidade para a violência contra a mulher e muito menos Delegacia especializada ou equipamento social para me apoiar e me acolher como temos hoje: as Casas Abrigo, os Centros de Referência da Mulher, etc. O meu caso aconteceu em 1983 e a primeira Delegacia da Mulher só foi criada e inaugurada em São Paulo, no ano de 1985. A de Fortaleza, um ano depois, em 1986.
B.V. - Sua luta contra a violência doméstica demorou a surtir resultados. A quê, na sua opinião, se deve essa morosidade?
M.P. - Costumo dizer que eu fui vítima duas vezes, uma do meu agressor e outra, do sistema judicial brasileiro. Me senti órfã do Estado.

B.V. - Como se sente sendo exemplo para muitas mulheres que não querem mais ficar caladas diante da violência?
M.P. - A lei 11340 - denominada de Lei Maria da Penha - significa o coroamento de uma luta nascida com muita dor e sofrimento. Eu nunca pensei que a minha luta desencadeasse tudo isso e chegasse onde chegou. O importante para mim é saber que eu participei dessa mudança, dei a minha contribuição.

B.V. - E qual é a sensação de emprestar o nome à  lei?
M.P. - É uma grande honra emprestar nome a essa lei que veio resgatar a cidadania e resguardar a dignidade da mulher. A "Lei Maria da Penha" é a carta de alforria da mulher brasileira, que agora tem apoio para se libertar de uma vida de opressão. Quando viajo pelo Brasil proferindo palestras ou participando de eventos, recebo muitos depoimentos emocionados de mulheres que se auto-intitulam salvas pela lei. Agora, contamos com uma lei que veio consolidar a garantia dos Direitos Humanos das mulheres até então violadas diante do total descaso do Estado. Mas é bom que se diga que a lei, cujo nome me presta homenagem, não veio para punir homens. Ela veio para punir os homens agressores, educar cidadãos e cidadãs e prevenir a prática de situações que ferem o desenvolvimento, a auto-estima e a integridade da mulher.

B.V. - Com a Lei Maria da Penha, já em vigor há quase quatro anos, o que você acha que mudou?
M.P. - Acredito que a promulgação da lei nº 11.340/2006 já pode ser considerada um marco social, tamanha a sua aceitação dentro da coletividade, com marcante recepção nas camadas economicamente mais frágeis da população. Ainda que sob a resistência de uma cultura historicamente machista que ainda resiste, a Lei Maria da Penha já desponta como um contrapeso aos abusos criminosos contra as mulheres, até então renegadas ao desconhecido porque eram agredidas no [falso] aconchego de um marido [companheiro] ou familiar agressor, que muitas vezes, na sociedade, se apresenta como uma pessoa educada e de bons princípios, porém ...

B.V. - Algumas marcas das agressões sofridas por você são visíveis e as invisíveis, existem?
M.P. - A mulher vítima de violência doméstica traz marcas físicas, mas a maior delas está na sua alma, na dignidade que precisa ser recuperada, na imagem que precisa ser resgatada. Ela precisa reaprender a viver longe do medo e da violência.  Agora já não trago mais essas marcas. Minha vida tem agora um novo significado. Minha luta não é mais minha, mas de todas as Marias desse imenso país.

B.V. - Hoje, como você lida com a questão afetiva? Você ainda tem esperanças no amor?
M.P. - Sim, acredito. Acho que somente o amor pode transformar relações e construir um mundo melhor

B.V. - Recentemente, foi criado no Brasil o Instituto Maria da Penha - IMP. Quais são as principais atividades desenvolvidas?
M.P. - O Instituto Maria da Penha é uma instituição não governa-mental, criada  em julho de 2009 e que, atualmente, trabalha no fortalecimento de sua identidade e seus objetivos, dentre eles: promover e articular ações pedagógicas preventivas, sustentáveis, em defesa de direitos e da prevenção da violência doméstica e familiar.
O IMP já surgiu com um braço de atuação em Recife, onde reside a sua diretora Pedagógica, professora Regina Célia, que em parceria com a Faculdade Maurício de Nassau já realizou algumas ações, entre as quais, destaco o Curso de Capacitação em Direitos Humanos e Violência Doméstica que já formou 184 Agentes Comunitárias de Justiça.
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